Neoleitores
"Aos 11 ou 12 anos decidi ler um autor húngaro famoso à época, mas hoje um tanto esquecido: Arthur Koestler. A obra era o romance chamado Ladrões na noite, que havia sido lançado em nosso país. Autor imaginoso, magnífico narrador, Koestler lançava mão de um recurso ficcional, alternando o foco narrativo: a história era contada ora na terceira pessoa ora na primeira pessoa.
Coisa que eu não entendia. Para mim, Koestler estava falando de dois personagens distintos, e a confusão que isso produzia na minha cabeça é fácil imaginar. Precisei reler o livro mais de uma vez até me dar conta do artífico ficcional.
Esses desafios não são raros para quem está descobrindo o mundo dos livros, os neoleitores. Neoleitores: aprendi essa expressão ao participar na comissão julgadora do Concurso Literatura para Todos, promovido pelo Ministério da Educação e que premiou vários e excelentes trabalhos. (...) No fundo, tentávamos responder a uma pergunta tão básica quanto antiga: a quem se destina o texto?
Até o fim da Idade Média a resposta era automática: ler era uma atividade da elite. Em O nome da rosa, Umberto Eco fala-nos de uma biblioteca magnífica, reservada, no entanto, aos religiosos de um convento. O povão, analfabeto, não tinha qualquer acesso à palavra escrita. A invenção da imprensa, no século 15, democratizou um pouco o livro, mas este continuou a ser um objeto intimidante e, em certo grau, assim permanece até hoje. Duvidam? Então observem uma pessoa humilde que, por alguma razão, tem de entrar numa livraria. Essa pessoa o fará intimidada, temerosa de cometer alguma gafe.
Essa é uma situação que não devemos aceitar. Não só porque é constrangedora; também porque é um obstáculo ao crescimento pessoal e ao crescimento do país como um todo. O texto
( tanto o jornal como a internet comprovam- no) continua sendo a grande forma de divulgar a informação, a cultura - e a grande forma de mudar as pessoas. Livros ensinam a viver, e não estamos falando de auto-ajuda, que é uma coisa caricatural. A leitura é veículo de emoções, e uma forma de organizar idéias. Não podemos aceitar um mundo, ou um país, dividido entre leitores e não-leitores. Podemos, e devemos, aceitar a categoria dos neileitores.
(...) Neoleitores é uma expressão que recupera a dignidade indivdual ao falar de uma possibilidade de renovação pessoal mediante a leitura. Neoleitores significam uma neocultura. Um neopaís, certamente melhor do que aquele que temos. Um país onde a literatura será para todos. "
Moacyr Scliar.
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